Em tempos de embates ideológicos sobre a urbanização da cidade de São Paulo, profissionais como Francisco Saturino de Brito, engenheiro sanitarista, que em 1920 presidia a comissão de melhoramentos do rio tietê, propunham soluções a longo prazo, prezando por uma urbanização mais correta, estruturada pelos cursos d'água. Este, citado aqui, propunha o resgaste, que até então ainda era possível de ser feito, da orla fluvial urbana do principal logradouro público da "futura metrópole". Presava, em seu argumento, garantir a integridade do leito maior do rio tietê.
Toda confluência de rio, aqui na metrópole de São Paulo, seria formada como um lago, como hoje em dia vemos no Ibirapuera, que seria o núcleo aquático da formação de um cinturão de parque, com bosques. Uma visão muito sofisticada para a época, citada até hoje por profissionais da área.
Do outro lado, tivemos técnicos como Francisco Prestes Maia, que em seu embate ao Francisco Saturino, traçou um plano de avenidas para o estado de São Paulo. Francisco Prestes Maia e Ulhoa Cintra falaram o que os empreendedores queriam ouvir, que era justificar o desenvolvimento da cidade de São Paulo, através de um plano radial concêntrico.
Cidades como Moscou, Paris, Viena também têm o sistema radial concêntrico, mas Prestes Maia, em seu imediatismo ambicioso, "sonegou" a informação que, dentre as cidades mais desenvolvidas com tal sistema, estas já tinham os anéis ferroviário e hidroviário construídos em seus entornos.
É impossível pensar que uma cidade, que já começou com o planejamento urbano sendo feito de forma errônea, pulando etapas a fim de cumprir com objetivos mercantilistas imediatistas, possa hoje pensar em melhorias, principalmente de locomoção urbana, a curto prazo.
Nosso desenvolvimento urbano, por essência, foi voltado ao mercado automobilístico. O negócio era e continua sendo vender carros!
O carro em São Paulo é carregado de uma carga simbólica, porque houve até os anos 20, no fim da república velha, uma confusão entre o automóvel e a identidade da cidade. Ele se transformara em uma peça chave para um discurso de modernização, não progressista, mas conservadora, que propunha transformar São Paulo numa Chicago da América do Sul, tomada por arranha-céus, auto-pistas, automóveis espalhados por todo lugar.
Foi em 1938, com a eleição de Prestes Maia para prefeito de São Paulo, que as obras de seu plano começaram a ser executadas, e os rios perderam ainda mais espaço, já que àquela altura valeria muito mais à pena desocupar uma área teoricamente vazia, que garantiria baixos custos com desapropriações e a valorização dos entornos das obras seria certa.
O plano de avenidas inaugurou uma prática que se estabeleceu/estabelece como modelo na estruturação da cidade, onde o espaço das águas se transformou no espaço dos carros.
São Paulo mudou o rio ao seu modo, o colocou dentro de um cano e escorreu para debaixo da terra. Mas isso não mudou a natureza do rio. Quando a chuva cai, é pra lá que a água vai e, se não tiver espaço, ela toma o que for necessário.
Hoje somos reféns de uma administração pública cheia de dívidas, refém de empreiteiros e desse urbanismo rodoviarista, que faz com que continuemos seguindo pela lógica ultrapassada de abrir mais estradas, mais avenidas e menos meios de locomoção viáveis para uma cidade com mais de 11 milhões de habitantes.
A fragilidade institucional do Brasil leva a uma proeminência do privado sobre o público. Se existe uma área pública, entregue-a ao setor privado, deixe a especulação imobiliária ganhar mais espaço e a cidade ter cada vez menos. Se existe a possibilidade de designar verba pública para a construção de transportes metroviários, esta logo se dilui e perde espaço para que grandes empreiteiras continuem alargando e/ou construindo mais avenidas.
Transportes hidroviários são inimagináveis?
Enquanto mantivermos essa tendência de preferir o transporte individual, continuarmos abduzidos por um urbanismo rodoviarista, lidaremos diariamente com a eterna luta do "ir e vir ao pé da letra".
*Indico a leitura de artigos do professor Alexandre Delijaicov, sobre o conceito de cidades e metrópolis fluviais*
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